Faz parte da natureza humana exigir uma explicação “lógica” para tudo o que acontece. Quando se trata do mercado de energia, não somos diferentes. Como sempre, tende-se a confiar no facto de que uma ação desencadeia uma reação e quanto mais informado estamos sobre essas ações, melhor conseguiremos (tentar) “prever” essas reações.
Parece que o mercado da energia tem feito um ótimo trabalho em refutar esse raciocínio. As commodities energéticas, como todas as commodities, registam variações de preço de acordo com a relação entre a oferta / procura e a especulação financeira.
2018 está a ser um ano atípico para a energia, não apenas por causa dos intervalos de preço testemunhados, mas principalmente devido ao seu comportamento em relação aos fundamentais do mercado ao longo do ano, aumentando a incerteza em relação aos próximos meses e, mais importante, a 2019.
Antes do início das férias de verão, vamos tentar entender os movimentos do mercado no primeiro semestre deste ano e apontar os principais fatores que podem afetar os próximos meses.
Clima
2017 foi um ano realmente seco, especialmente nos países Europeus mais a Sul como Espanha e Portugal, e a falta de chuva causou reduções importantes nos níveis de água em toda a Europa, afetando populações, agricultura e limitando a produção de energia de fontes hídricas. A contribuir (ou não) para essa situação, o inverno resultou frio e longo, exigindo mais energia para eletricidade e aquecimento.
As temperaturas frias prolongaram-se até o final de Abril, mas, finalmente, a chuva finalmente chegou e veio em plena potência. Em Portugal, por exemplo, entre Dezembro de 2017 e Março de 2018, o país saiu de uma situação de seca extrema e os níveis de água atingiram os níveis máximos em Abril.
Em Espanha, a recuperação foi mais demorada, mas, como é possível observar na Figura 2, as reservas hidroelétricas aumentaram significativamente após o mês de Março e encontram-se em níveis saudáveis desde então.
Gás natural
O inverno rigoroso vivido no Hemisfério Norte pressionou seriamente os preços do gás natural em todos os mercados da Europa e da Ásia.
O Mibgas, que é usado principalmente como mercado de ajuste, registou aumentos significativos arrastado pelo mesmo comportamento dos restantes Hubs de gás europeus.
O TTF, o mercado de gás holandês usado como referência na Europa, enfrentou dificuldades durante o primeiro semestre de 2018, com os seguintes fatores:
- O maior campo de gás da Holanda (e da Europa) – Groningen – teve que diminuir a sua capacidade de produção no inverno devido a episódios sísmicos;
- O número de tanques de GNL que trazem gás para os portos Europeus diminuiu significativamente devido a uma forte necessidade no mercado asiático, afetando o abastecimento da Europa durante os períodos de frio vividos em Fevereiro e Março;
- Interrupções nas interconexões entre o Reino Unido-Noruega e a Noruega-Europa também tiveram um grande impacto nos preços spot.
A procura de gás natural, num mercado já ajustado, levou a um considerável esgotamento das reservas estratégicas em toda a Europa e o prolongamento do Inverno levou a que a temporada de “injection season” se iniciasse somente no final de Abril, um mês mais tarde que o normal e com apenas 50 TWh de gás natural restante (aproximadamente 10 % da capacidade total das reservas).
Como regra geral, o produto “Year Ahead” (YR + 1) de Gás Natural corresponde a uma média dos preços Spot, com os períodos de Outono e Inverno a apresentar preços acima dessa média, e a Primavera / Verão apresentando preços abaixo da mesma. No entanto, em 2018, o produto Calendar para 2019 encontra-se abaixo dos preços médios mensais desde Janeiro. Essa “anomalia” está relacionada com a pressão atual no mercado de gás durante o atual período de Verão devido aos seguintes fatores:
- A “injection season” está a pressionar o mercado, com a maioria dos países a fazerem esforços no sentido de recuperar as suas reservas estratégicas a níveis saudáveis para o próximo Inverno. No entanto, os níveis ainda estão abaixo dos 50%, apresentando uma diferença de 30 TWh abaixo dos níveis de 2017;
- Bons Níveis de importações de gás por parte do continente Asiático, especialmente por parte do Japão, Coreia do Sul e China.
- Fluxos acima do esperado no centro e norte da Europa devido a um verão quente forçando uma maior necessidade de gás para arrefecimento.
Os altos preços do gás natural Spot na maioria dos Hubs Europeus estão empurrando para cima os preços a futuro, preços esses que são igualmente influenciados pelos altos preços do carvão e do petróleo para 2019.
Carvão
O mercado de carvão ressuscitou em 2016 e a tendência ascendente ganhou um impulso significativo a partir de Maio de 2017, principalmente devido a uma escassez de oferta e a um aumento do apetite chinês pelas importações de carvão, depois de reduzir a produção interna (saiba porquê aqui).
Mais uma vez, a longa estação de seca vivida na Europa deu outra oportunidade ao carvão, que participou de forma constante em 2017/2018. Em Espanha, o carvão contribuiu com mais de 8% para o mix energético e em Portugal as centrais térmicas a carvão participaram em 17% do mix do país.
Apesar disso, a indústria do carvão enfrenta neste momento um forte inimigo, a Descarbonização do setor elétrico, com a União Europeia a liderar o caminho, com o objetivo de reduzir consideravelmente a sua dependência desta commodity nos próximos anos. Países como Portugal, França, Itália e outros já definiram suas datas de eliminação total do carvão até 2030.
Até lá, o carvão dependerá principalmente do apetite da China e da Índia: o primeiro pretende substituir uma grande parte de sua geração de carvão por gás ou capacidade renovável, a fim de combater as mudanças climáticas e controlar os níveis internos de emissão (mais informação aqui). O segundo quer impulsionar sua economia interna, concentrando-se no carvão a curto prazo, mas investindo em centrais térmicas mais eficientes. Do lado da oferta, a administração de Trump tem feito esforços no sentido de impulsionar esta indústria, apesar de vários movimentos contra.
Emissões de CO2
Como uma personagem de “underdog” de um filme, o mercado ETS revitalizou-se no ano passado e está rapidamente a tornar-se numa das commodities mais importantes e relevantes para a energia e para o gás natural na Europa, especialmente depois de 2020, altura em que o quarto pacote de medidas entrará em ação. Tudo começou com rumores de que países como a França ou o Reino Unido, planeavam impor preços mínimos nacionais às emissões internas, com o objetivo de se alinharem com o compromisso da COP21. Até a Alemanha mencionou essa possibilidade, apesar da dificuldade de materializá-la, uma vez que o país depende muito do carvão. Após o primeiro impulso veio a alavancagem: a aprovação da reforma do mercado de ETS estabeleceu novas metas e mais ambiciosas, reduzindo a quantidade de direitos de emissão nos anos seguintes e cortando gradualmente algumas alocações gratuitas. Os EUAs saltaram dos 6 € / tonelada para os atuais 17 € / tonelada em menos de um ano e as recentes notícias especulativas apontam para um valor de 100 € / tonelada na próxima década.
Esta evolução teve um tremendo impacto no mercado de energia e, por consequência, no mercado de gás. De facto, os altos preços dos EUAs inicialmente beneficiam o gás em relação ao carvão, já que a queima do carvão se torna mais cara do que a queima do gás natural. No entanto, à medida que a política se estabilizar, prejudicará o mercado de energia globalmente, porque a queima de gás natural tornar-se-á muito mais cara do que antes. Assim, a fonte de energia térmica e controlável e (ao mesmo tempo) competitiva será restringida à energia nuclear e à hidroelétrica.
Nuclear
França poderá colocar novamente em risco o Inverno de 18/19 devido aos recentes incidentes e falhas em relação às verificações de segurança das suas centrais nucleares. 30 dos 58 reatores nucleares terão de ser reavaliados antes do fim do ano e isso pode afetar o fornecimento de energia em toda a Europa, revivendo o “pesadelo” do inverno 16/17. Para ficar a saber mais leia “France: Europe’s Energy Plug“.
Na Península Ibérica, as discussões sobre a eliminação progressiva do carvão e da energia nuclear começam a ser recorrentes à medida que a região desenvolve seu plano de transição energética. Em Espanha, atualmente, espera-se que três reatores nucleares terminem o seu ciclo de vida até Junho / Julho de 2020 e os debates ocorridos resumem-se ao grau de viabilidade desta decisão. Quanto a 2018, 3 dos 8 reatores nucleares espanhóis estavam off-line, afetando o mix de energia peninsular. Vandellós II, que estava parado desde Abril, voltou a ligar-se à rede no dia 24 de Julho, mas durou apenas 72 horas antes de ser forçado a parar novamente devido a problemas técnicos.
Eletricidade
Os preços da energia obedecem a vários fundamentais e a maioria deles foram descritos e analisados nos parágrafos anteriores. Mas o mercado Ibérico de energia veio a descobrir outro argumento importante e menos “intuitivo” que para explicar os seus recentes movimentos. Refiro-me ao comportamento do mercado Spot e ao conjunto de preços de cassação horária que temos assistido. Para obter mais informações sobre este assunto, leia um dos artigos mais recentes da Magnus aqui.
De facto, os atuais preços Spot entraram numa nova faixa de preços e, olhando para trás na história, o comportamento da definição de preço tem-se distanciado com a relação do mix energético.
O que nos reserva o futuro?
Como eu, a maioria dos entusiastas e observadores de mercado, está a testemunhar um mercado incerto sem uma direção clara para os próximos meses / ano. Acabámos de cruzar o ponto sazonal onde, estatisticamente, os preços spot baixos se tornam mais raros e onde um pequeno incidente pode ter um enorme impacto no mercado para os meses de maior consumo (ou seja, inverno).
A Europa está viver um Verão seco e quente e as previsões não apontam para qualquer correção dessa situação, pelo menos até Setembro. As temperaturas acima de 30ºC em países como a Suécia, onde se desencadearam incêndios nas suas florestas e a Lapónia regista temperaturas perto dos 33ºC, são sinais críticos da mudança climática e estão a obrigar a alguma adaptação por parte da procura em relação ao que pode ser chamado de onda de calor. Por outro lado, os países do Sul têm registado um Verão mais ameno, com Portugal com temperaturas abaixo dos 30ºC, contribuindo a uma diminuição da procura de energia. No entanto, uma onda de calor aproxima-se e especialistas afirmam que as temperaturas podem chegar a 45ºC, situação que afetaria e aumentaria as necessidades energéticas.
O gás natural terá o papel mais importante nos preços da energia nos próximos meses, tanto nos mercados Spot como nos futuros. Os atuais níveis das reservas estratégicas Europeias desempenharão um ponto sensível de (in)estabilidade em termos de garantir as necessidades de abastecimento para o Inverno de 18/19. As previsões meteorológicas apontam para um Inverno mais ameno e seco, o que poderia evitar picos na demanda em condições normais. No entanto, qualquer movimento em termos de escassez de oferta devido à maior demanda de GNL na Ásia ou de interrupções pontuais devido a problemas em Groningen ou nas interconexões entre o Mar do Norte e a Europa poderiam afetar negativamente o preço desta commodity, espalhando-se pelos preços da energia em toda a Europa e, como consequência, afetando a Península Ibérica.
Na Península, continuamos fortemente dependentes do gasoduto que liga Espanha e a Argélia, país que se tem mantido estável nos últimos anos, mas onde conflitos e instabilidade têm vindo a crescer nas fronteiras com o Mali e Líbia. Uma possível interrupção no fornecimento de gás proveniente deste país africano agravaria significativamente os preços para o inverno de 18/19, como aconteceu em 2017.
O consumo de carvão deverá diminuir muito na Europa, já que em 2019 devem ser adotadas medidas para atingir as metas de descarbonização, mas ainda assim o API2 está fortemente relacionado ao que acontece na Ásia e a China provavelmente manterá sua ambiguidade, tentando implementar uma mudança drástica do carvão a gás enquanto consome mais carvão importado do que nunca para reduzir sua produção interna. A Índia, por sua vez, está a aumentar a um ritmo acelerado o seu consumo de carvão, o que poderia pressionar os preços, apesar do menor consumo por parte do Velho Continente.
O último trimestre de 2018 têm registado os preços mais elevados da história, com um preço médio acima dos 67 € / MWh. Com os atuais níveis dos preços SPOT a 62 € / MWh, num verão não tão quente na Península Ibérica, com bons níveis de água para gerar energia e com a participação normal das energias renováveis, complicam o nosso trabalho de explicar a situação atual com base apenas nos fundamentais.
O CNMC, entidade reguladora do mercado espanhol, abriu uma investigação para avaliar a possibilidade de manipulação do mercado. Embora essa investigação possa causar uma correção de preços nos próximos meses, as regras de mercado e a forma como este está desenhado permite essa estratégia de oportunidade de custo que poderá estar a ser adotada pelas grandes Companhias Elétricas.
Os preços para 2019 em Espanha e Portugal estão atualmente acima dos 56 € / MWh, 8 € / MWh mais do que no mesmo período do ano anterior para o produto YR + 1 e a tendência ascendente repete-se em todos os países europeus.
Em Portugal, as discussões à volta da carga regulatória nos preços da energia, a maior parte atribuída aos CAE e aos CMEC, têm vindo a ganhar relevância, mas acredito fortemente que os entusiastas do mercado e profissionais do setor deveriam utilizar a sua energia focando-se no que se está passar no mercado e na preparação dos seus clientes e negócios para o próximo ano, porque 2018 está a caminho de ser o ano mais caro do mercado livre de energia, mas o cenário esperado para 2019 está longe de ser melhor.
Brace! Brace! Prepare-se para o impacto!
Jorge Seabra | Energy Consultant