O (não) mistério do OMIE plano

Home/Featured (pt), MBlog/O (não) mistério do OMIE plano

O (não) mistério do OMIE plano

As coisas mudam. É assim que são as coisas. Nalguns casos mutam a um resultado que nos é favorável, noutros mutam para um resultado que está longe das nossas expectativas. Exemplo prático: o mercado Ibérico diário de eletricidade a nível spot (ênfase em “diário”). Qualquer pessoa com meio interesse no assunto notará duas coisas:

O mais óbvio e doloroso é que o mercado está mais caro. Este fato, por si só, para uma empresa sem uma estratégia de gestão de risco, é uma péssima notícia – tanto que uma quantidade surpreendente de más notícias já foi escrita sobre o tema.

No entanto há um segundo fato subjacente, mas mais sub-reptício, ao primeiro – o mercado está bastante plano. Isso significa que as horas que geralmente são mais baratas, deixaram de o ser. A volatilidade nos preços diários do OMIE tem diminuído.

Bigodes que desaparecem

Consideremos o gráfico seguinte. Nele, comparamos três semanas aleatórias de 2018. Tal como anteriormente, o mais aparente é que as caixas da semana passada (S27) estão mais altas no gráfico do que as relativas às semanadas anteriores – i.e. os preços horários foram mais caros.

Fig.1 – Gráficos de caixa relativos ao Mercado diário OMIE espanhol para as semanas S5, S18 e S7 de 2018 (pode encontrar mais informação sobre como interpretar este gráfico aquí)

Fig.1 – Gráficos de caixa relativos ao Mercado diário OMIE espanhol para as semanas S5, S18 e S7 de 2018 (pode encontrar mais informação sobre como interpretar este gráfico aquí)

Vejamos também como as caixas estão cada vez mais compactas e as linhas horizontais dentro delas ao mesmo nível. Isso significa que os preços por hora essão muito semelhantes entre si.

Observemos agora como as linhas verticais externas às caixas (bigodes) estão progressivamente a ficar mais curtas, particularmente as do lado inferior (que indicam que quando as horas são baratas, são realmente baratas). Há cada vez menos horas baratas.

Quão surpreendente é?

Pois surpreendentemente, não muito. Vejamos o seguinte gráfico.

O desvio padrão (DP) é uma medida comum de volatilidade, pois quantifica a quantidade de dispersão (ou variações à média) de um conjunto de dados. O gráfico seguinte representa o DP no preço por hora de todas as segundas, quintas e sábados desde 2015 (para o mercado espanhol).

A sombra por detrás da curva mostra o intervalo de valores de DP (mínimo e máximo), ao passo que a curva mais escura mostra a média semanal destes DP.

Fig.2 – Desvios padrão diários do preço horário do OMIE diário espanhol para segundas, quintas e sábados

Fig.2 – Desvios padrão diários do preço horário do OMIE diário espanhol para segundas, quintas e sábados

Como pode ver, de forma anual e quase sempre a metade do ano, a volatilidade no mercado diminui significativamente. De tal forma que, tanto em 2016 como em 2017, baixou até aos níveis atuais (por debaixo dos 5 € / MWh). No entanto, há uma aparente tendência decrescente na volatilidade do mercado, o que pode significar que este ano este efeito pode ser ligeiramente mais pronunciado que em anos anteriores e, se a tendência continuar, ainda mais em 2019.

Também interessante é o fato de que, embora estejamos perante um mercado plano, a volatilidade foi particularmente alta tanto na transição de ano, como durante a transição do primeiro para o segundo trimestre.

O caveat do Marginalismo

O OMIE, como muitos outros mercados energéticos, é um mercado marginalista. Que significa? Significa muitas coisas, mas, na prática, significa que o preço da energia é determinado pela cassação entre o vendedor mais caro que consegue um comprador. Mesmo que oferecesse a sua energia a 1 ct€/MWh, se alguém que a oferece a 100 €/MWh encontra comprador, então você também ganharia 100 €/MWh.

No entanto, é um mercado imperfeito:

  • como a energia elétrica é um requisito básico da vida cotidiana, a procura não pode ficar por cobrir mesmo que o preço seja astronómico;
  • os fornecedores que competem no mercado são muito diferentes. Por exemplo: energia nuclear e energia eólica quase não têm variabilidade nos seus custos de geração, no entanto uma central termoelétrica está ligada a mercados específicos de matérias-primas;
  • os requisitos tecnológicos e de investimento são muito diferentes, considere o exemplo anterior de energia nuclear vs. eólica;
  • o montante de investimento necessário e a própria história do sistema, fazem com que existam muito poucos agentes vendedores reais, mesmo entre diferentes tecnologias.

Então o que se passa?

Se considerarmos (e acreditarmos) que o mercado spot elétrico espanhol está em perfeito equilíbrio e harmonia, o mistério dos bigodes desaparecidos significa uma de duas coisas: ou o mesmo tipo de tecnologia tem cassado a todas as horas, ou todas as tecnologias buscam agora os mesmos preços de venda.

Para este exercício, consideremos as métricas dadas pelo PDBF da REE (Programa Diário Base de Funcionamento do operador de sistema espanhol) – que tem uma relação mais direta com o mercado diário do OMIE. Olhando em detalhe vemos que, na S5, a procura estimada rondava os 5 TWh, ao passo que na S27 era menor, perto dos 4,7 TWh. No entanto, na S5, a energia eólica prevista foi quase o dobro da prevista para a S27. A S18, mais barata, teve uma boa previsão eólica (1 TWh), mas uma previsão de procura global bastante inferior (4,3 TWh).

A diminuição na energia eólica disponível durante o verão, associada a uma procura mais elevada, são provavelmente os principais instigadores da baixa volatilidade recorrente durante esta época do ano. Este fato, por si só, pode ser suficiente para tentar justificar os preços mais altos da S27. Mas ainda não responde à pergunta uma vez que, dado o conhecimento de que a energia hidráulica tende a ocupar a mesma faixa de preço na extremidade mais alta do espectro, por que não há mais distribuição de preços (fig.3)?

Fig.3 – Distribuição dos preços por hora do mercado diário OMIE espanhol na semana S5, S18 e S27 de 2018

Fig.3 – Distribuição dos preços por hora do mercado diário OMIE espanhol na semana S5, S18 e S27 de 2018

 

Se combinarmos as informações do gráfico anterior, com as tecnologias que marcaram os preços durante essas semanas, obteremos os seguintes resultados esclarecedores.

 Fig.4 – Distribuição, por tecnologia, da marcação de preços para o mercado diário OMIE na S5, S18 e S27 de 2018

Fig.4 – Distribuição, por tecnologia, da marcação de preços para o mercado diário OMIE na S5, S18 e S27 de 2018

 

  1. O mais óbvio é como as tecnologias convencionais aumentaram o seu custo marginal, o que levanta a questão de se esse aumento é, ou não, justificado;
  2. A segunda coisa mais interessante, é que normalmente é a energia hidroelétrica a que marca os preços caros no Mercado OMIE mas agora está acompanhada daquelas tecnologias definidas como “renováveis”;
  3. A segunda coisa mais curiosa é como o custo marginal da geração hidráulica se altera de um modo totalmente não relacionado ao estado do potencial hidroelétrico, mas em perfeita correlação com as mudanças inter-semanais nas restantes tecnologias;

Em relação ao primeiro ponto, devemos ter em consideração tudo o mencionado anteriormente relativo ao marginalismo e à imperfeição da competição no setor energético. Ainda assim, vamos analisar alguns pontos importantes. Entre a S5 e a S27:

  • Os preços spot do gás a nível ibérico (apenas como referência) diminuíram significativamente (> 5 €/MWh);
  • o mercado forward de gás a nível ibérico (novamente apenas como referência) aumentou significativamente (> 5 €/MWh);
  • o carvão de referência na UE (API2) subiu ligeiramente desde Fevereiro;
  • os direitos de emissão na UE a nível “spot” (mercado secundário) quase duplicaram de preço (> 7 €/MWh)
  • o EUR caiu 7% em relação ao USD
  • o petróleo bruto e os custos de frete subiram
  • A confiança dos consumidores desceu ligeiramente e uma guerra comercial está em pleno vigor

É, de alguma forma, compreensível que as tecnologias convencionais tenham aumentado o seu custo marginal de operação e que as renováveis, pelo menos as reais, tenham aumentado o seu custo de oportunidade durante esta época do ano (aqui estão os bigodes desaparecidos).

Além disso, dado este cenário e que a energia hidroelétrica está na faixa de preço de 55+ €/MWh já há algum tempo, está agora a marcar a maioria das horas do dia, daí a redução na volatilidade de preço horária ao longo do dia (assim está o OMIE plano).

É um momento de incerteza, não apenas no comportamento da maior economia do mundo, mas também na procura asiática de gás e carvão e também na disponibilidade europeia de energia nuclear e no preço dos seus direitos de emissão. No entanto, a tendência geral nos mercados financeiros de energia é, aparentemente, altista. Se o padrão visto nos últimos anos serve como referência, estamos perante um ano bastante caro (talvez até anos).

No entanto, o ponto #3 levanta muitas mais questões que vão além dos preços diários de mercado e de curvas (rectas?) de preço planas, mas que estão enraizadas na própria maneira como o mercado é modelado. Deixarei a especulação para o leitor, no entanto, nas palavras da nova Ministra de Transição Ecológica – Teresa Ribera:

Será necessário repensar o mercado, os sistemas de fixação de preços, a ordenança, a previsão de funcionamento dos distintos atores, a entrada e saída de velhos e novos”.

Hugo Martins | Analista

By | 2018-07-17T12:27:46+00:00 Julho 17th, 2018|Categories: Featured (pt), MBlog|Tags: , , , |Comentários fechados em O (não) mistério do OMIE plano